Sophie Deram não acredita em dietas restritivas como forma de perder peso. Afirma que elas assustam o cérebro e se tornam uma fonte de ganho de peso. Autora do livro “O peso das dietas”, lançado pela Editora Sensus, a nutricionista, que é também doutora em Endocrinologia pela USP, defende que o excesso de informação está fazendo as pessoas perderem a confiança no seu próprio corpo e na capacidade de decidir o que comer. Fazer as pazes com a comida, segundo ela, é um dos caminhos para alcançar e manter um peso saudável.
Alimentação em Foco: O que aconteceu com a nossa forma de nos relacionarmos com a comida? Por que chegamos a esse quadro de hoje, com tantos casos de obesidade, distúrbios alimentares e culpa à mesa?
Sophie: Estamos vivendo uma grande crise de confiança no nosso corpo e na nossa alimentação. Tudo está complicado. As pessoas não sabem mais o que comer, não sabem mais como lidar com a comida e se esqueceram do princípio básico que é o bom senso e o bem-estar. Não cuidam mais do corpo. Acham que o corpo é uma questão de controle, de informações, de quanto mais eu sei, vou comer melhor. E os estudos mostram que é o contrário. Existe um estudo que comparou o conhecimento sobre nutrição de americanos e franceses. Perguntaram sobre o que é gordura saturada, insaturada. E foi muito interessante porque os americanos sabem tudo, são super informados. Os franceses não sabem nada. Eles só sabem que baguete com camembert é muito bom…(risos). Estou brincando, mas hoje a gente vê que o excesso de informações acaba fazendo com que as pessoas não ouçam mais o próprio corpo. Então você vai comer uma maçã, mas você quer um brioche de chocolate. E aí você fica frustrado, e quando tem a oportunidade, ao invés de comer um pedaço do brioche, vai comer o bolo inteiro. Vivemos hoje um paradoxo: nunca se falou tanto de dieta, nutrição, e, ao mesmo tempo, nunca tivemos tanto problema de peso e mal estar com a comida. É um momento em que a gente deveria viver uma vida super feliz, porque nunca houve tanta abundância na história do homem. A gente tem tanta comida! Mas ao invés de ser uma benção, isso é vivido com uma grande ansiedade, porque as pessoas estão sempre se perguntando: será que posso comer? Devo comer? Isso tudo atrapalha a escolha.
Alimentação em Foco: É o terrorismo alimentar?
Sophie: Estamos vivendo uma época de informações muito sensacionalistas. Isso começou há uns 40 anos, com a demonização da gordura, um nutriente super bem visto que, de repente, virou vilão. E aí todo mundo começou a se assustar, a tirar a gordura de todos os alimentos. Depois foi o carboidrato, o açúcar, o glúten, a lactose. É cada vez mais complicado entender isso. Se você pensar bem, por essas informações sensacionalistas nem frutas e legumes podemos comer mais, por causa dos agrotóxicos. Só o ovo que voltou à moda há pouco tempo, e agora parece que só ele pode ser comido em paz. Trabalho com transtorno alimentar e vejo as pessoas perdidas. Me perguntam se banana engorda. Olho para essas pessoas e falo: “banana é uma fruta deliciosa, por que engordaria?”. É muito difícil quebrar as crenças das pessoas.
Alimentação em Foco: No seu livro você afirma que as dietas a longo prazo são a principal responsável pelo ganho de peso. É justamente por causa da ansiedade que geram?
Sophie: É mais do que isso. A gente sabe de maneira clara, hoje, que fazer dieta restritiva não funciona porque 95% das pessoas voltam a engordar. Fui atrás desses 5% que não voltam a engordar e sabe o que acontece com eles? A maioria desenvolve algum outro transtorno alimentar. O problema é o seguinte: quando você faz uma dieta e restringe ou corta um grupo de alimentos, como carboidratos, por exemplo, você passa fome. O fato de sentir ou passar fome assusta seu cérebro, que se sente ameaçado porque seu corpo está perdendo peso rápido. Ele “vê” isso como um risco de sobrevivência e acaba modificando seu centro do apetite. Então seu apetite aumenta e seu metabolismo cai, para que você gaste menos energia. Seu corpo começa a ficar mais lento e seu apetite aumenta. Aí vira algo infernal, porque você quer emagrecer, mas seu cérebro só lembra você de comer. Depois de fazer a dieta, você tem o que é chamado de ‘comer emocional’: se está triste vai comer; se está feliz, come; está chateado ou estressado, come. E acaba comendo muito mais do que realmente precisa. Provavelmente por isso a gente acaba engordando depois da dieta. É como se o corpo quisesse recuperar rápido o que ele perdeu.
Alimentação em Foco: Temos visto aumentar os casos de obesidade infantil. É fruto dessa educação que já começa errada?
Sophie: Não tem uma causa só. A Academia Americana de Pediatria acabou de lançar um artigo sobre as diretrizes para prevenir a obesidade. A primeira coisa que eles falam é não fazer dietas em crianças porque, por incrível que pareça, restringir as crianças que estão em fase de crescimento é como se você despertasse o risco de obesidade nelas, porque elas terão muita fome, muita vontade de comer, e vão começar a comer escondido. E tem também toda a questão psicológica, o fato de que as crianças hoje ficam muito em frente à TV, não estão dormindo o suficiente, estão comendo muita bobagem. Então não é só fazer dieta. Há outros fatores, maiores, que precisam ser considerados.
Alimentação em Foco: Resgatar o prazer à mesa seria um caminho para chegar ao peso ideal?
Sophie: Peso ideal não existe. Falamos em peso saudável, que é o peso no qual você está tranquilo, respeitando sua fome, sem nenhum transtorno alimentar ou compulsão. Esse peso saudável é muito individual. Então a gente não sabe aonde vai ficar o peso saudável de uma criança antes dela chegar aos 20, 23, 24 anos, pois no crescimento há muita variação, principalmente em mulheres na fase da puberdade. Isso é natural, depende da modulagem que vai se desenvolver nos hormônios. Se você mexe numa adolescente fazendo dieta nessa idade da puberdade, aumenta mais do que três vezes o risco dela se tornar obesa.
Alimentação em Foco: Que dicas você daria para que as famílias consigam ter uma alimentação saudável?
Sophie: Eu tenho três dicas: a primeira é não fazer dieta. A segunda é comer alimentos verdadeiros, ingerir menos industrializados. Isso não quer dizer nenhum industrializado, apenas comer menos, caprichar na qualidade do que se come. E a terceira dica é cozinhar. Há um estudo da Harvard que mostra que o simples fato de cozinhar e comer comida caseira é o maior fator de prevenção de obesidade e diabetes. Cozinhar é um hábito que a gente perdeu, achamos que é complicado, perda de tempo e, na verdade, é o contrário. Preparar a comida, comer junto, ter um ritual, uma rotina de alimentação, especialmente quando envolve crianças, é uma grande proteção contra a obesidade. A gente não deveria somente focar no alimento, deveríamos focar no comportamento. Eu costumo falar que os pais têm o dever de cuidar da rotina e da qualidade da alimentação. Entretanto, a criança é a dona da fome e os pais têm que respeitar a fome das crianças. Se ela quer repetir no almoço, pode repetir, especialmente comida. Respeitar a fome é muito importante, mas tem que ter jogo de cintura. Não é deixar ela totalmente à vontade, tem que ter horário para comer. Se ela não come no almoço porque não tem fome, terá que esperar o lanche da tarde. E isso não pode ser motivo de briga. É preciso deixar tudo em paz. Se você come junto, a criança come melhor porque deixa de ser uma luta da mãe contra o filho. Tem um estudo da USP que acabou de sair que mostra que comer juntos, em família na mesa, aumenta a proteção contra a obesidade em adolescentes e crianças.
Alimentação em Foco: Você citou a questão de comer mais comida de verdade e, ao mesmo tempo, a questão da demonização de alguns alimentos e, ao que parece, o açúcar é o vilão da vez. Sabemos que a indústria tem um papel importante na questão de produzir alimentos em volume para atender uma população cada vez maior. Como alcançar esse equilíbrio?
Sophie: A gente está numa fase, principalmente no Brasil, de reurbanização, mais de 90% da população está na cidade. Não temos como criar a nossa vaca no apartamento, ter leite fresco todos os dias de manhã. A gente depende da indústria e não dá para demonizar a indústria. Infelizmente há muito 8 ou 80. Porém é verdade que dentro da oferta da indústria há muitos produtos ultraprocessados que estão extremamente carregados de açúcar, gordura, sal, e que não são associados a uma saúde melhor. Mas não quer dizer que a gente tenha que viver sem nenhum, porque é inviável e isso se torna outro terrorismo.
Alimentação em Foco: Precisamos fazer as pazes com a comida?
Sophie: Eu desenvolvi um programa online para ajudar as pessoas a terem paz com a comida. São seis semanas de formação, reorganização, para aprender como o corpo funciona e sair desse terrorismo nutricional, e para ajudar a pessoa a fazer as pazes com a comida. Chama-se ‘Programa Efeito Sophie’, nome sugerido por um seguidor que viu os efeitos surtirem com o curso. São seis semanas de aulas sobre o assunto do que se comer, fazer as pazes com a comida, os mitos da nutrição, como funciona o nosso peso, nosso cérebro. Temos um grupo fechado. Muitas pessoas chegam extremamente assustadas, há muito sofrimento hoje frente à comida. Elas fazem as pazes com a comida por meio desse programa e realmente estamos tendo um resultado sensacional.