A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) tem feito vários alertas ao longo dos últimos anos sobre o desperdício e a perda de alimentos.
Enquanto 800 milhões de pessoas passam fome no mundo, 1/3 de tudo o que se produz é perdido ou desperdiçado: 45% de todas as frutas e legumes, 35% dos peixes e frutos do mar, 30% dos cereais, 20% dos produtos lácteos e 20% de carne. O custo da falta de compromisso com os alimentos produzidos no Planeta é alto: US$ 940 bilhões, o equivalente a mais de R$ 3,3 trilhões por ano, segundo a ONU.
Ainda segundo a ONU, o meio ambiente também sofre com o desperdício de alimentos. Cerca de 1,4 bilhão de hectares – quase 30% das terras agrícolas disponíveis – é usado para plantar alimentos que serão desperdiçados.
Além disso, a pegada de carbono dos alimentos produzidos e não consumidos no mundo é estimada em 3,3 gigatoneladas de dióxido de carbono (cada gigatonelada equivale a 1 bilhão de toneladas), número que coloca esse desperdício em terceiro lugar entre os maiores emissores de CO2 do Planeta. Ou seja, reduzir o desperdício é também uma forma de mitigar o impacto ambiental.
Desperdício de alimentos no Brasil
O Brasil é considerado um dos dez países que mais desperdiçam alimentos em todo o mundo, com cerca de 30% da produção praticamente jogada fora na fase pós-colheita.
Segundo a Empresa Brasileira de Agropecuária e Pesquisa (Embrapa), o desperdício de alimentos no Brasil está presente em toda a cadeia: 10% no campo, 50% no manuseio e transporte, 30% na comercialização e abastecimento, e 10% no varejo (supermercados) e consumidor final.
Alimentos campeões do desperdício
Os grupos de frutas e verduras e de raízes e tubérculos são os que apresentam o maior percentual de perdas, sendo bastante significativa a perda nas etapas de produção, manejo, estocagem, processamento e embalagem. As estimativas de perdas pós-colheita para produtos com maior durabilidade, como grãos e cereais, estão na faixa de 5% a 30%, enquanto para os hortifruti podem variar entre 15% até quase 100%.
Causas para a perda de alimentos
A agrônoma e pesquisadora da Embrapa Hortaliças, Milza Moreira Lana, diz que falta infraestrutura para uma armazenagem adequada da produção, falta uma rede de transporte que ofereça boas condições durante o escoamento, mas, principalmente, falta conscientização por parte dos produtores em relação às boas práticas de colheita e pós-colheita.
“Pequenos cuidados, quando tomados, minimizam as perdas pós-colheita das hortaliças. Utilizar caixas de plástico ao invés de caixas de madeiras para evitar contaminações, apoiar as caixas sobre um carrinho para que não fiquem em contato direto com o solo, reduzir a manipulação e proteger os alimentos do sol imediatamente após a colheita; são detalhes simples, mas que mantêm a qualidade e prolongam a durabilidade dos produtos, principalmente hortaliças, que são alimentos altamente perecíveis”, reforça.
Em relação aos grãos, o estudo mais recente feito pelo IBGE (2005) apontou que o país perde, anualmente, cerca de 10% da sua safra. Fatores como clima (chuvas/seca) e doenças provocadas por pragas comprometem a produção ainda no campo.
Na fase de colheita, máquinas mal reguladas e falhas na colheita manual são os grandes responsáveis pelas perdas. Já no armazenamento, a estocagem inadequada prejudica a qualidade dos grãos.
Os grandes vilões na perda de alimentos no Brasil
O pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos, Antonio Gomes Soares, explica que o maior problema no desperdício de comida no Brasil hoje está no manuseio, armazenagem e transporte dos alimentos.
Em relação ao manuseio, se nas pequenas propriedades o problema é a falta de estrutura adequada, nas grandes falta treinamento dos funcionários. “Há propriedades com galpões maravilhosos, equipados com máquinas que separam por peso e tamanho, por exemplo. Mas se o funcionário deixa o fruto cair da mesa de uma altura aproximada de 70 centímetros, esse fruto já estará amassado e comprometido”.
Outra situação comum, segundo ele, é o acúmulo de frutos nas esteiras que encaminham as unidades para a lavagem. “É comum o funcionário colocar os frutos na esteira numa velocidade superior à ideal. Dessa forma, eles se acumulam a acabam caindo”.
Nas Centrais de Abastecimento, Centros de Distribuição e nos próprios supermercados, a alta rotatividade de funcionários compromete o treinamento dos mesmos, segundo Antonio. “Além disso, os Centros de Distribuição geralmente possuem telhados de amianto ou metal, que esquentam muito. Já nas áreas refrigeradas a temperatura é uniforme e não respeita as características de cada produto”, aponta.
Embalados muitas vezes em caixas de madeira totalmente inadequadas e submetidos a muitas horas de transporte em caminhões não refrigerados, em caixas empilhadas, os alimentos frescos vão perdendo a sua qualidade a cada nova etapa da cadeia.
“Para finalizar, nas grandes cidades os caminhões não podem circular durante o dia. Então, estes caminhões são carregados a tarde e os produtos ficam dentro deles, muitas vezes no sol, até o cair da noite, quando então seguem para a distribuição”, conta o pesquisador.
No caso do transporte de grãos, a falta de vedação adequada dos caminhões vai deixando pelos longos trajetos percorridos até os portos uma parte da riqueza produzida no campo.
O estudo do IBGE apontou que, no Brasil, cerca de 67% das cargas são transportadas por rodovias. A má conservação das estradas e o fato dos caminhões carregarem uma quantidade de carga acima da sua capacidade também favorecem o derrame.
O tamanho dos silos é outro problema, segundo Antonio. “Como são muito grandes, é difícil controlar a temperatura e a umidade. Muitas vezes, o que não se perde na estrada, estraga nos silos”.
Alternativas para reduzir o desperdício de alimentos
Segundo Antonio, uma das alternativas para enfrentar tanto desperdício é investir em gestão, capacitação e treinamento. “Aqui no Rio de Janeiro há uma grande rede de supermercados que comprava mamão da Bahia. O mamão saía de lá, passava pelo Rio e seguia para o Centro de Distribuição da rede em São Paulo, para depois voltar ao Rio. Falta planejamento e compromisso”, considera.
A redução do desperdício como forma de enfrentar a fome no mundo, para ele, precisa do comprometimento de todos. “Não adianta só o produtor plantar mais. Se a cada 100 toneladas, perdemos 30, ao colhermos 200 toneladas, vamos desperdiçar 60.
Gastamos para plantar, colher, embalar e transportar um produto que não chegará a lugar algum. Este custo encarece os produtos de forma geral. E quem paga a conta, na maioria das vezes, é o produtor e o consumidor final”.